A UM PASSO
Uma obra pode ser medida, como já mostrou Paul Valéry, pela soma ou pelo rigor de suas recusas. E a palavra “recusa”, aqui, não designa apenas o ato de “não aceitar” ou “rejeitar” alguma coisa, mas também o de “não se subjugar”, de “não fazer concessões”. Em um tempo em que o exercício do óbvio, a repetição de fórmulas e a sujeição às conveniências do mercado tornaram-se os dispositivos por excelência de boa parte da narrativa contemporânea, A um passo, de Elvira Vigna, destaca-se como um dos raros livros de hoje a fazer da recusa nos vários sentidos e rigores da palavra uma de suas linhas de força.
Mesmo ao privilegiar como matéria-prima o prosaico e o banal, enfocando o aqui-agora do mundo e da realidade brasileira, a violência do cotidiano e a hipocrisia das relações sociais, o romance mina (recusa), através dos “ácidos, gumes e ângulos agudos” da linguagem, toda a previsibilidade que subjaz a essa mesma matéria. Sem deixar de contar uma história (no caso, uma história de vingança), recusase às facilidades da lógica linear e da referencialidade, optando por um enfoque elíptico e fragmentário das coisas; e sem se furtar ao coloquialismo, não se presta à mera reprodução espontânea do falar diário, mas deste ousa extrair, pelo trabalho da escrita, uma sintaxe inusitada, uma dicção babélica, uma articulação de viés experimental.
A um passo recusa-se, ainda, ao que comumente se espera de um romance: ele pode ser lido tanto como uma narrativa seqüencial, composta de capítulos curtos e concentrados, quanto como um conjunto de contos avulsos que se articulam num jogo entre o sucessivo e o simultâneo, onde cada peça se basta e se encadeia às demais, abrindo várias entradas e saídas no texto. Para não mencionar o poema do final que, a título de posfácio, faz uma espécie de “desleitura” do próprio livro.