Adeus, Maria e outros contos

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É com impressionante precisão que Tadeusz Borowski (1922-1951) descreve, baseado na própria experiência, o dia a dia dos campos de concentração nazistas em toda a sua barbárie, mas também em suas rotinas de sobrevivência. Adeus, Maria e outros contos é uma obra-prima da literatura polonesa e de testemunho, lançada logo após a Segunda Guerra Mundial, mas ainda inédita no Brasil.

Os contos de Borowski impressionam por retratar não apenas as atrocidades dos campos de extermínio, mas também seus efeitos sobre a psique humana e os valores éticos, gerando uma filosofia específica de sobrevivência, na qual as fronteiras entre carrascos e vítimas podem se confundir

Borowski começa, no conto que dá título ao livro, em um gueto na Varsóvia ocupada pelos alemães, que vive da economia do contrabando, dos atos dos grupos de resistência e, sobretudo, do constante medo da deportação para os campos de concentração. As histórias seguintes se passam em meio ao transporte de milhares de pessoas para os crematórios, o assassinato de adultos e crianças, a fome e os trabalhos forçados – entre eles, a abertura de valas para enterros em massa. Nas duas últimas, “A batalha de Grunwald” e “A ofensiva de janeiro”, já se deu a libertação da Polônia e a transferência dos prisioneiros para os campos de refugiados na Alemanha.

O narrador é Tadek, um intelectual não judeu que escreve cartas apaixonadas para a namorada, Maria. Sua visão dos acontecimentos é pragmática, muitas vezes cruel e cínica. Como observa no posfácio Piotr Kilanowski, especialista em literatura de testemunho e professor de literatura polonesa na Universidade Federal do Paraná, a coletânea apresenta o homem “laguerizado” – ou seja, moldado pela vivência dos campos de concentração – “foi destruído não apenas em sua humanidade corpórea, mas antes de tudo sua humanidade psicológica”.

Kilanowski prossegue: “É um ser que abandonou a sensibilidade, a ética e a moral à sombra dos crematórios, da mentira, da violência, da opressão, da presença forçada de outros seres humanos tratados como animais e da morte onipresente.” Tadek, ainda segundo o posfácio, se vê na dupla condição de “vítima do sistema e a de uma engrenagem em seu mecanismo”

É assim que nos campos de concentração transcorre o contrabando, a hierarquia oficial e a informal, o desprezo mútuo, a observação desapaixonada dos acontecimentos inomináveis, a cooptação de prisioneiros para funções de vigilância de outros internos, o orgulho sentido pelos sobreviventes e privilegiados – como Tadek, que atua como enfermeiro. Ao mesmo tempo, organizam-se simulacros de “vida normal”: jogos de cartas, partidas de futebol, lutas de boxe, plantio de hortas e apresentações musicais. E, em volta dos campos, a bela natureza segue inabalada pelo inferno adjacente.

As minúcias e o engenho literário de Borowski fazem todo esse cenário complexo ganhar vida. Uma prova da qualidade palpável e visual do texto de Borowski foi a transposição de seus contos para o cinema pelas mãos do célebre diretor Andrzej Wajda, no longa-metragem Paisagem Após a Batalha (1970), exibido no Festival de Cannes.

 

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