Afinação da interioridade: A canção popular brasileira na musicalização de adultos
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A importância da canção na vida de um povo nunca foi devidamente estimada, mas já há sinais de que, aos poucos, essa modalidade de expressão vem sendo incorporada aos melhores projetos de desenvolvimento humano. As curvas melódicas que conduzem nossas falas e nossas canções nunca esconderam a natureza afetiva das relações que mantemos com o mundo e com o conhecimento em geral. Dedicar-se à canção é trazer isso à tona. Nesse sentido, a educação musical pautada por canções contribui para afinar nossas interioridades. É o que constatamos na leitura deste livro. Kristoff Silva conta um pouco da sua trajetória na música, destacando a passagem que o levou dos palcos às salas de aula, onde pôde analisar com atenção especial – e em conjunto com suas turmas de interessados – o vasto repertório cancional presente e atuante na formação dos brasileiros, revelando os componentes da melodia e da letra que se integram e fazem da canção um todo homogêneo. O autor extrai dos contornos melódicos células e incisos que por vezes configuram tratamento modal (em escalas pentatônicas ou hexacordais), com suas recorrências eufóricas, mas também se submetem a direções harmônicas típicas das músicas tonais. A percepção desses recursos sonoros permite a compreensão e a execução consciente do que conhecemos como solfejo ou mesmo solmização. O domínio das escalas é o ponto de partida para as transposições de tonalidade tão frequentes na prática dos cancionistas. Compositor de numerosas canções, violonista, arranjador, cantor e band leader, com sucessos de público e crítica, Kristoff prefere dizer agora que é, antes de tudo, professor de educação musical para adultos. Na verdade o que faz, entre outras coisas, é transferir sua experiência artística e acadêmica para o centro da sala de aula, tendo sempre na canção uma bússola que orienta o caminho da escuta. Assim como a melodia é no fundo um modo de dizer, a canção é o meio adotado por ele para configurar um modo de ouvir. Isso vai longe, pois não se trata apenas de acolher os fonogramas das canções como base de apoio ao aprendizado. O artista-professor não hesita também em carrear a sua prática de gravação e produção musical nos estúdios para a atividade docente, transformando os programas de edição de áudio em recursos didáticos que, ao lado da escuta apurada, permitem a visualização da sonoridade nas telas. E tudo fica mais claro com o auxílio de loops, samplers e sintetizadores. Kristoff está mergulhado no seu tempo, o tempo presente da escuta atenta, mas não deixa de lado a “escuta retroativa”, da lembrança, nem a “escuta prospectiva”, da espera, todas elas essenciais para a vivência musical. Também não deixa de lado a relação entre percussão corporal e canto, algo já entranhado nas manifestações musicais do Brasil de hoje, e jamais descuida da participação da letra na identificação das unidades melódicas e do rit- mo da fala que habitam a canção. Ao final da leitura, fica a impressão de que cada tópico dos capítulos trata de sua proposta geral, mas deixa sempre um vestígio de que o alcance do que foi tratado é ainda maior. De fato, a musicalização de adultos é aqui bem maior do que a gente pensa – ou pensava.