Ana de amsterdam - 1ªED. (2016)

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Ana Cássia Rebelo é uma mulher com suas horas bastante ocupadas, dividindo seu tempo entre o emprego como advogada numa repartição, os três filhos ainda pequenos e um casamento já desgastado. Nessa rotina, que oscila sempre entre o tédio da segurança e o desejo do inesperado, Ana encontra lugar para escrever. E foi assim que surgiu, em 2006, o blog Ana de Amsterdam, em que ela ia registrando esse movimento pendular entre pequenas vitórias e grandes angústias. Das postagens do blog, imensamente literárias apesar de intrinsecamente efêmeras, o jornalista e crítico português João Pedro Jorge pôde organizar uma obra que funciona como diário íntimo, em que os pequenos textos são datados, e vão desenhando uma personagem rica, um tanto misteriosa, capaz de confundir o leitor entre uma doçura maternal e uma rascante agressividade.

Com um histórico depressivo, muito inteligente e sensível, o que vemos na sucessão dos dias dessa narrativa fragmentada é o retrato subjetivo da chamada mulher moderna, esse ser quase indefinível. Ana sente desejo e nega-o, ama os filhos, mas se sente sobrecarregada, se apega à vida por detalhes, e encontra o sentido perdido no cotidiano doloroso em um pôr do sol bonito numa cidade indiana. Com parte da família em Goa, essa terra misteriosa em que a Índia fala a língua portuguesa, Ana desenha no país distante a possibilidade de descobertas – como antigos navegadores buscavam especiarias. A mesma busca se dá por uma sexualidade crua, em que não há tabus, e a frigidez, a masturbação, o desejo doente são temas tratados corriqueiramente, conceitualmente e na linguagem – limpa, crua, direta.

O resultado desse conjunto coeso de pequenas narrativas é um livro escrito em uma prosa brilhante, que se a filia a nomes como Sylvia Plath e Virginia Woolf, no que todas têm de prosadoras poderosas e marcantes – também finca o pé em certa tradição nacional portuguesa, e o conjunto de fragmentos do livro lembra o Livro do desassossego, de seu conterrâneo mais ilustre.

Que o leitor se embrenhe nessa prosa primorosa. Que descubra a literatura contemporânea portuguesa, e que, atentamente, descubra o poder da narrativa feminina.

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