ARRUDA E GUINE: RESISTÊNCIA NEGRA NO...1ªED.(2022)
Arruda e guiné são plantas com frequência associadas ao continente africano em decorrência de seus usos litúrgicos nas religiões afro-brasileiras, muito embora não sejam nativas da África. Do mesmo modo, os saberes implicados no uso medicinal e mágico-religioso delas não foram transplantados para cá, mas se construíram nas trocas entre ngangas — feiticeiros — negros e pajés, no Brasil. Por isso, os itinerários etno-botânicos dessas plantas nos falam da atualização de um projeto de resistência negra. Se no contexto em que era constitucional dividir pessoas entre senhores e mercadorias, a arruda curou escravizados e a guiné “amansou” senhores, dando contornos de guerra ao massacre em curso, hoje, essas plantas atualizam o significado dos saberes tradicionais como ponto de partida do exercício de reinterpretar e imaginar a democracia. Os textos de Bianca Santana reunidos nesta coletânea — apresentada pelo professor Edson Lopes Cardoso — foram escritos no calor dos acontecimentos e informam a respeito de diversos temas que figuraram nos noticiários brasileiros do período entre 2017 e 2022. Entre os assuntos urgentes, a crise sanitária e a gestão da pandemia de Covid-19 são tópicos que se inserem em um projeto político comprometido com a desestabilização dos valores republicanos. Já os enfrentamentos de povos tradicionais às constantes ameaças às suas terras retomam os conflitos da questão agrária e das relações raciais no Brasil. Ainda, a disputa em torno da PEC das Domésticas lança luz sobre a falta de letramento político e racial da nossa classe média. Vistos em conjunto, os textos extrapolam o caráter inicial de registro dos acontecimentos e desempenham um papel formativo, refinando as percepções das dinâmicas entre presente e passado à medida que criam nexos entre notícia e processos históricos, sociais e políticos. E é a partir desse modo de comunicar, pensar, e formar que Santana reitera os sentidos éticos e políticos evocados primordialmente pela arruda e guiné.