BELEZA E TRISTEZA
O romance Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata, pela primeira vez traduzido direto do japonês no Brasil, é publicado pela editora Estação Liberdade.
Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, compôs uma história que conta a viagem a Kyoto de um romancista chamado Oki para contemplar a tradicional celebração de Ano-Novo na cidade. Lá, o personagem reencontra-se com sua antiga amante, Otoko, com quem teve um caso muitos anos antes, quando ela ainda era apenas uma adolescente e ele já um adulto. Naquela ocasião, ela engravidou dele e perdeu o bebê. A relação então acabou, e Oki escreveu um romance expondo Otoko, livro que se tornou best-seller. No reencontro, ele tem outra vida, ela não é mais uma adolescente, e novos personagens fazem com que a relação deles seja retomada de maneira diferente e com novas complicações.
O enredo de Beleza e tristeza, no entanto, embora muito envolvente, não dá conta da grandeza do livro. O título, que junta dois substantivos abstratos, faz parte da composição, sugerindo que -- primeiro -- beleza e tristeza podem andar, e comumente andam lado a lado, e que -- segundo -- as abstrações, nesse caso, têm peso maior que os fatos e a materialidade.
Não à toa, o tempo, uma das maiores abstrações da vida, tem importância crucial na forma com que se desenrola a narrativa. Kawabata fez parte da corrente neossensorialista, que deu à literatura japonesa poética e sintaxe capazes de alcançar mais camadas da percepção humana. Em Beleza e tristeza, portanto, as várias versões dos personagens pelo tempo importam mais do que a figura estática de cada um deles. Aí está a força do romance: prova que a realidade possui caráter mais diverso do que verdades unívocas.
Kawabata consegue ainda sobrepor a tudo isso profundas discussões sobre tradição e modernidade, desde o embate entre as duas concepções de cultura no âmbito intelectual, envolvendo por exemplo a renovação e a conservação do idioma japonês, até o conflito de gerações de costumes opostos. Chama a atenção o destaque dado ao relacionamento, inclusive sentimental, entre a aluna e a mestra nos pudicos anos 1970 japoneses. Beleza e tristeza é um dos últimos livros que Kawabata publicou, o que contribui para que o texto esteja permeado com vários dos temas que constituem o campo literário do autor, ainda com a vantagem de a consciência artística e a serenidade da experiência, aqui, darem à narrativa uma complexidade própria de ganhador de Prêmio Nobel.