Canção silêncio etc.
A epígrafe de “A flor e a náusea”, que abre o livro de poemas aqui reunidos em Canção Silêncio Etc., de Luiz Dias Bahia, parece indicar o problema central de sua poesia: a questão que ronda a modernidade desde Baudelaire, a da poesia descendo aos infernos depois de perder sua auréola sublime. Ao visitar “as dores do mundo”, não deixa de se criar, no entanto, enquanto poesia. Apesar da náusea, diz a epígrafe, a poesia pode ser tudo, o que quer que seja, “Mas é uma flor”. A flor ainda possível. O que resta num mundo de ruínas ou em ruínas.
A presença da luz, constante nos poemas, não é nenhum sinal de esperança, mas uma espécie de holofote que amplia aquilo que é negativo, chamando a atenção para elementos que poderiam estar nublados sem a sua presença. E chega-se até ao termo “luz escura”, como uma espécie de pintura soturna –não noscódigos poéticos do Romantismo, mas de uma contemporaneidade sombria.
No poema “Canção da luz”, onde se espera uma ode à luz, o poeta só guarda a “sombra viva”, espécie de infortúnio, como um “sonho da ausência / (...) / no quarto de escombros”. Essa espécie de dialética negativa, nos termos de Adorno, onde as contradições e contraposições não se resolvem numa síntese, deixa aberta a “ferida do mundo”, impossível de cicatrizar.
Essa é uma poesia que interessa. Primeiro, porque não se rende às soluções fáceis de versos doces e anestésicos; segundo, porque abre as comportas do que está represado dentro das sombras e que ninguém quer ver. Deixa vazar as sombras dos becos escuros, como fez a gravura de Goeldi. São versos e rimas preciosas que as revelam: “essa sombra no todo / me empurrando ao degredo / dor no fundo do poço / meu inútil segredo”.
Uma poesia dura, sem dúvida, mas não ressentida. Apropria-se dos traumas, reconstruindo-os não num espaço lírico, mas numa torrente de cristais-versos quebrados. Um brilho que vem, mas se desfaz o tempo todo, deixando, ao fim, o peso de sua sombra: “sem ator ou um tema / e feito do que falta: / ver assim como ver / fala o que nos assalta?”.
Jardel Dias Cavalcanti
Prof. de História da Arte e Crítica de Arte da Universidade Estadual de Londrina-PR