Clínica lacaniana da psicose - Opção lacaniana
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Embora a psicanálise e a psiquiatria estejam hoje em posições bastante distantes no que diz respeito à clínica, há em suas histórias pontos em comum que podem ajudar a entender qual é de fato o tratamento possível da psicose. Ambas não só decorrem da singularidade posta em jogo na clínica médica, ou seja, da passagem daquele que sofre para o primeiro plano de atenção das que se dispõem a tratá-lo, como também procedem a uma investigação psicopatológica guiada por um método de observação. No início do século XX, contudo, a clínica psiquiátrica era essencialmente uma clínica do olhar, e o surgimento da psicanálise demarcou, com muita clareza, a ênfase em uma clínica da escuta, Ao cotejar as apresentações clínicas de doentes da Jacques Lacan [1901-1981] com as de seu mestre Gaëtan Gatian de Clérambault [1872-1934], apreendemos como a entrevista substitui o interrogatório, como o inaudito surge no lugar da compreensão e como, enfim, os descaminhos da palavra do sujeito se sobrepõem às tintas do quadro nosográfico. Este livro de Angelina Harari condensa, de forma serena, o norte dessa transformação ocorrida na clínica da psicose, ou melhor, mostra como Lacan, ainda preso à fenomenologia, ruma das realações de compreensão presentes em sua tese de doutoramento de 1932 em direção às relações simbólicas, nas quais, valendo-se dos ensinamentos de Ferdinand de Saussure, encontra os meios para reformular a distinção entre significante e significado, e daí se dirige para o que se conhececomo sua segunda clínica, fundada na inexistência do Outro, no caráter não deficitário da psicose, na articulação do sinthome e na introdução do escrito na fala do sujeito. Realizado tal percurso, o leitor tem, então, a possibilidade de desfrutar a tradução de três textos de Clérambault, dos quais dois discorrem sobre o conceito de automatismo mental, cujo surgimento possibilitou uma extraordinária simplificação da clínica da psicose, e o terceiro, publicado postumamente em 1935.