Enervadas - 1ªED. (2022)
R$44,90
SINOPSE
A escritora Chrysanthème (1870-1948), pseudônimo de Cecília Moncorvo Bandeira de Melo Rebelo de Vasconcelos, é uma das preciosidades mais bem guardadas da literatura brasileira. Um dos principais nomes da escrita de mulheres no início do século XX, e pioneira das causas feministas, a autora publicou mais de quinze livros, e ao que se sabe nenhum deles foi reeditado. Enervadas é um romance de 1922 que contém passagens de críticas veementes contra a submissão e os limites à liberdade reservados às mulheres, além de ser uma divertida crônica sobre as classes abastadas do Rio de Janeiro na República Velha.
Moderna e dona de “um temperamento inimigo da fixidez e da banalidade”, a protagonista Lúcia é taxativa em seu retrato dos papéis de gênero de sua época. Comenta a propósito das leis de separações de casais: “Ao homem, tudo é perdoado, explicado, permitido; à criatura do sexo feminino, uma vez infeliz na escolha do companheiro da existência, tem diante de si o isolamento, a tristeza, a calúnia, a maldição… As nossas leis esquecem o progresso do mundo e o novo papel da mulher na sociedade e no universo, papel em que ela se mostrou mais corajosa, mais inteligente e mais útil do que os homens.” Vale lembrar que o voto feminino só seria adotado parcialmente no Brasil em 1932.
É com esse espírito rebelde que Lúcia recebe, no primeiro capítulo do livro, o diagnóstico médico de que é uma “enervada”, categoria em que a ciência da época reunia uma ampla gama de mulheres insatisfeitas. O plural do título se refere também às amigas de Lúcia, que considera suas semelhantes. A protagonista, no entanto, questiona o diagnóstico: ser “enervada” significaria apenas ter desejo de beijar esse médico, a quem confessa seus “gostos, sonhos e temperamentos”? “Certamente que não”, diz ela. “Isso é ser-se humano e mais nada.”
O romance recua, em forma de diário, à vida amorosa da protagonista curiosa e sexualmente livre. Atraída pelos dotes de dançarino de um funcionário do Ministério do Exterior, casa-se com ele, mas logo se entedia e, ao ver-se explorada, segue-se a inevitável separação. Ao longo da narrativa, sucedem-se flertes e romances, entremeados por uma vida social intensa e algum consumo de morfina. Lúcia compartilha dúvidas e insatisfações com amigas fiéis: Maria Helena, lésbica; Laura, namoradeira em série; Magdalena, cocainômana; e Margarida, satisfeita mãe de muitos filhos. O romance se encaminha para uma conclusão talvez desconcertante frente às expectativas criadas pela primeira metade da narrativa.
Chrysantème é hoje uma escritora quase esquecida. O original usado para a edição da CARAMBAIA foi encontrado no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio – até o exemplar catalogado na Biblioteca Nacional está desaparecido. A autora é uma representante daquilo que Beatriz Resende – professora titular de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do posfácio – qualifica de literatura art-déco, um filão obscurecido pelo modernismo. Não teriam sido o estilo algo convencional e antiquado os motivos desse ostracismo, mas, nas palavras de Beatriz Resende, “todo um conservadorismo em torno dos costumes que dominou sobretudo o literariamente ousado e sexualmente casto modernismo, em especial o paulista”.