Esquizofrenias reunidas - Ensaios
Qual é o limite da loucura? O que acontece quando você está convencida de que está morta, de que seus amigos são robôs, ou aranhas estão comendo o seu cérebro? E, apesar de tudo, você está totalmente ciente do que está acontecendo, mas é incapaz de fazer algo a respeito? Anos depois de vivenciar suas primeiras alucinações e episódios psicóticos, a premiada escritora Esmé Weijun Wang finalmente recebeu seu diagnóstico: transtorno esquizoafetivo do tipo bipolar.
Foi nessa condição que ela escreveu Esquizofrenias reunidas, uma coletânea de treze ensaios belamente entrelaçados que entrou, desde o lançamento, em terceiro lugar na lista de mais vendidos do New York Times. O livro, publicado em 2019 nos Estados Unidos, é um testemunho corajoso e comovente, mas não só isso: amplia nosso sentido da existência humana, como observa no posfácio psiquiatra e professor universitário Ary Gadelha.
Em sua narrativa, Wang não foge a nenhuma questão, mesmo as mais dolorosas, em torno de sua – mas não apenas sua – loucura, num trabalho prismático e quase enciclopédico. Ao seu diagnóstico principal, somam-se a aparição de sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, originado por um episódio de abuso sexual e estupro, além de uma inexplicável doença de Lyme e uma tendência a pensamentos suicidas, provavelmente herdada da mãe.
Nada disso, contudo, comprometeu a funcionalidade de Wang – que é filha de imigrantes taiwaneses, casada e sem filhos, e foi premiada desde seu primeiro livro, o romance The Border of Paradise. Ela atuou com sucesso como pesquisadora de laboratório, blogueira de moda, fotógrafa, artista visual, palestrante antiestigma e monitora de um acampamento de jovens bipolares – experiência narrada em um dos capítulos de Esquizofrenias reunidas. Em 2017, Wang foi incluída entre os 21 escritores estadunidenses mais promissores da década pela revista Granta e, em 2018, ganhou o Whiting Award.
“Como sou capaz de realizar coisas, sinto um desconforto perto daqueles que estão visivelmente psicóticos e audivelmente desorganizados”, admite a escritora. “Sinto um desconforto porque não quero ser colocada no mesmo saco que o homem berrando no ônibus, ou que a mulher que alega que é a reencarnação de Deus.”
Wang foi uma garota prodígio e frequentou as melhores escolas. “É desconcertante para qualquer um ouvir que seu cérebro está sofrendo danos devido a uma doença incontrolável”, escreve. “Talvez tenha sido especialmente desconcertante para mim porque meu cérebro havia sido um dos meus recursos mais valiosos desde a infância.” Wang era uma boa e dedicada aluna na Universidade de Yale quando, depois de passar pelo instituto de psiquiatria local numa internação provocada por sintomas psicóticos, foi convidada a se retirar. Em seguida, ela conseguiu continuar os estudos em Stanford. Situações de humilhação como a expulsão mal disfarçada de Yale não foram poucas. Wang foi internada involuntariamente três vezes, e no livro ela narra e discute em profundidade essa prática prevista em lei.
Os dois primeiros ensaios de Esquizofrenias reunidas mergulham nas complicadas e altamente mutantes definições dos sintomas e distúrbios psiquiátricos, tendo como ponto de partida o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (conhecido pela sigla em inglês DSM). “Essa bíblia, assim como a judaico-cristã, é uma que se deforma e transforma tão rápido quanto a nossa cultura”, escreve Wang com ironia e algum sentimento de descrédito.
Embora as descrições do DSM sejam, assim como o uso de medicamentos, instrumentos que facilmente podem se tornar fontes de rotulagem e simplificação, ela confessa que o fato de sua condição estar prevista tecnicamente lhe traz alívio, pois significam que ela sofre de males preexistentes e devidamente catalogados. Em 2014, por exemplo, Wang sofreu, durante dois meses, da síndrome de Cotard, que leva os pacientes a acreditar que estão mortos. Um dos ensaios do livro, “Danação”, foi escrito nesse período.
Wang especula – mas não chega a levar ao plano da realidade – a possibilidade de que seu transtorno mental seja uma “habilidade sobrenatural” e não um obstáculo permanente. Sua aproximação de certas práticas esotéricas não a leva a delírio, mas à adoção quase lúdica de certos rituais.
Sem hesitações e sem medo, a autora analisa crimes medonhos que teriam sido perpetrados por pessoas psicóticas. Também examina representações da psicose e da esquizofrenia em livros e filmes, como Uma mente brilhante, que retrata John Nash, gênio da matemática e esquizofrênico. A posição de espectadora, entretanto, também guarda a possibilidade de ser gatilho para incômodos psíquicos, sendo uma constante fonte de insegurança – é o caso dos filmes Matrix e Lucy e um episódio da série Doctor Who.
Esquizofrenias reunidas é uma obra literária de alta qualidade e também um exercício de busca da sanidade mental. “Tudo o que posso fazer é escrever bem e rezar para morrer em paz”, constata Wang.