EXTERMINEM TODOS OS MALDITOS- Uma viagem ao coração das trevas e à origem do genocídio europeu
Na novela clássica de Joseph Conrad, Coração das trevas, o capitão inglês Marlow é enviado ao interior do continente africano para resgatar o mercador Kurtz no auge do imperialismo britânico. Personagem do cânone ocidental, é Kurtz quem pronuncia uma das frases mais famosas da literatura inglesa: “o horror, o horror”. É dele também o imperativo que serve como ponto de partida a este livro: “Exterminem todos os brutos!”, a mais precisa tradução da forma como a população local foi tratada pelos invasores. Em 1992, o historiador e escritor sueco Sven Lindqvist embarca em uma viagem à África Central e escreve esta crítica anticolonial europeia. Misto de análise literária, diário de viagem e investigação histórica baseada em fontes primárias, trata-se de um verdadeiro mapeamento geográfico-cultural que implode gêneros e noções pré-concebidas. Nele, Lindqvist propõe a tese de que há uma relação direta e íntima entre a violência colonial contra os povos africanos e o genocídio perpetrado no continente europeu contra os judeus e outras minorias. Para construir esse raciocínio, o autor explora as raízes e consequências nefastas do colonialismo, sobretudo a dominação belga no Congo, que chegou ao cúmulo de pertencer à pessoa física do rei Leopoldo, mas também os projetos imperialistas na Tanzânia, Níger, Ruanda, Burundi e outros territórios. O autor mostra como se gestou uma pseudociência a partir da ideia de superioridade racial que justificava a exploração, a escravização e o extermínio em massa de pessoas negras. E se hoje é senso comum que a branquitude europeia inventou o racismo, o autor frisa que isso não é suficiente: “Não é conhecimento o que nos falta. O que nos falta é a coragem de olhar para aquilo que sabemos e tirar conclusões”. Mais de trinta anos após sua publicação, a leitura de Exterminem todos os malditos ¬― que foi adaptado à minissérie homônima pela HBO ― continua urgente por apontar com clareza que as feridas do passado ainda ardem no presente, e que a injustiça histórica continua a afetar as relações entre os países e povos, bem como o tratamento que alguns recebem em razão de sua origem étnica.