GETÚLIO!
No carnaval de 1951, a marchinha de maior sucesso, que o rádio não parava de tocar, tinha um refrão que dizia:
Bota o retrato do velho / Outra vez / Bota no mesmo lugar (...)
O sorriso do velhinho / Faz a gente trabalhar (...)
Era o Retrato do Velho, composição de Haroldo Lobo e Marino Pinto, gravada por Francisco Alves, que comemorava a volta de Getúlio Vargas ao poder presidencial, desta vez eleito e carregado “nos braços do povo”. Três anos depois, antes de terminar o seu mandato, o velho presidente se mataria com um tiro no coração.
Desde o seu suicídio há cinqüenta anos, em 24 de agosto de 1954, o Brasil já teve 21 presidentes e todos, de uma forma ou de outra, foram e são assombrados pela imagem e legado de Getúlio Vargas. Ele foi o grande organizador de nosso Estado moderno e o coordenador do pacto social que redesenhou o Brasil e a vida dos brasileiros.
Enigmático, baixinho e redondo, fumante de charutos, prato mais do que cheio para cartunistas e humoristas (exceto no Estado Novo, é claro), Vargas inaugurou, desde que assumiu o poder nacional pela primeira vez, em 1930, as presidências carismáticas. Até então, os mandatários do país prescindiam desse traço, não porque fossem necessariamente destituídos dele, mas porque, até o final da República Velha, qualidades carismáticas eram prescindíveis para conferir legitimidade política. O impressionante carisma de Getúlio — que tinha na palavra escrita e lida seu instrumento fundamental — transparece com nitidez, em linha lógica e coerentemente positivista, nas centenas de pronunciamentos produzidos pelo presidente. O texto era o seu roteiro, burilado pelos muitos assessores e secretários particulares, e finalizado pelo estadista até que ele mesmo encontrasse o tom e o espírito exatos, capazes de melhor impressionar os “trabalhadores do Brasil”. De certa forma, Vargas foi uma esfinge moderna, que exigia sempre ser decifrada, mas ainda assim nada garantia não devorar o interlocutor. Personagem gloriosa, trágica e permanente, Getúlio Vargas aparece neste livro, em boa parte, através dele mesmo, em seus pronunciamentos e discursos que ajudam a formar um retrato mais acabado do “Velho”. Foram analisados todos os textos contidos nos 18 volumes da obra oficial de Vargas (milhares de páginas e várias centenas de peças documentais) e escolhidos cerca de 35 pronunciamentos, de 1930 a 1954, que se articulam com a análise da trajetória histórica do Presidente.
Sua Carta-Testamento, talvez o seu texto mais famoso, termina explicitando sua saída da vida para a História em busca da eternidade, deixando de ser moderno para ser eterno. E conforme o historiador Boris Fausto, “se a eternidade é duvidosa, tanto para os que mandam quanto para o comum dos mortais, a entrada de Getúlio na nossa história, descartados mitos e ódios apagados pelo tempo, realizou-se plenamente.”