Novos Fármacos & outras histórias [Contos]
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Toda leitura é arriscada
Lyslei Nascimento
UFMG
A coletânea de contos Novos fármacos e outras histórias, de Juliano Klevanskis, afirma, com todas as letras que “toda leitura é arriscada, é um mergulhar no passado”, portanto, se assim é, vale a pena o risco e a imersão. Todas as histórias narradas apresentam-se no equilíbrio sutil desses dois eixos que se dobram e se desdobram em múltiplos outros sentidos que desafiam a leitura contemplativa ou passiva.
Se risco, numa primeira visada, é traço, sulco feito numa superfície ou esboço, para o bom entendedor, é, também, um golpe com arma cortante, uma possibilidade de passar por perigo. Sendo assim, convém que o leitor esteja atento aos riscos que se inscrevem na têmpera do texto – as anotações de leitura, as referências ao cotidiano, o mapa das cidades, os personagens inusitados – e as que subjazem, à espera de uma leitura mais atenta – o intertexto bíblico, a tradição judaica, a sabedoria implícita.
O conto “A gênese dos cães”, por exemplo, oferece uma importante chave de leitura às histórias: a paródia ao texto bíblico, que implica uma leitura que não deve desconsiderar o humor, o desvio e a ironia – velada e desvelada. Veja-se, por exemplo em: “1) No princípio criou o Homem os instrumentos e a caverna. 2) E a caverna era selvagem e glacial, e havia camada de neve sobre a face da terra, e a lança do Homem se movia sobre a face do gelo. 3) E disse o Homem: “Seja Fogueira!”. E foi fogueira.” Está assim, diante do leitor, um tecido entremeado de ressonâncias ao sagrado, mas também de recriações, apropriações e nós de uma rede que, como se sabe, também pode ser uma armadilha.
A referência a Jorge Luis Borges não é pouco significativa. Desde o tema da cegueira presente no conto “A última entrevista de Itzhak” até “O gato Borges”, que insinua não um gato que pertenceria a Borges, mais um gato chamado Borges, passando pela pseudo-narrativa policial “O caso dos descendentes de Lot”, a presença do escritor argentino provoca iluminações e sombras. Seriam essas outras possíveis orientações/desorientações oferecidas ao leitor? Não há bússola. Os caminhos se bifurcam.
Há ainda uma série de animais que, entre um conto e outro, delineiam uma espécie de bestiário que pode ser entrevisto por entre as histórias. Sendo assim, gatos, cães, leões, girafas, asnos, ursos e outros bichos vem habitar, imaginária ou metaforicamente, histórias como “A pequena arca de gigantes” ou “Mundo-cão”. Nesse sentido, um zoo fantasmático sobressai-se em alto relevo entre as linhas e os sentidos. Passear nesse jardim, como diria Borges, não é, de todo, ausente de riscos. Perigo distante ou imediato, as histórias fazem confluir sentidos antagônicos e complementares, falseando verdades, produzindo aquelas ilusões próprias dos espelhos quebrados.
Inscrevem-se, portanto, esses insurretos contos de Juliano Klevanskis, numa tradição pouco afeita à leitura preguiçosa e ao passo descompromissado. De Machado de Assis a Moacyr Scliar, mestres do conto brasileiro; de Jorge Luis Borges a Franz Kafka, o jovem escritor se inicia na arte de contar, oferecendo ao leitor contemporâneo o perigo dos precursores, a teia enoveladora da reescrita.