O escrivão Coimbra e outros contos Machado de Assis Uma seleção de 17 contos entre os melhores de Machado de Assis, feita sob o criterioso olhar do es
Um grande mestre do conto, tanto quanto do romance, Machado de Assis (1839-1908) escreveu algumas das mais brilhantes histórias curtas da literatura brasileira e mundial. O escritor Luiz Ruffato, organizador e autor do prefácio desta edição, considera este o gênero em que Machado se sentia mais à vontade, e nele produziu “duas dúzias de obras-primas”. Dezessete delas estão nesta antologia e sua inclusão é justificada por Ruffato por serem as que apresentam “a perfeita adequação entre o como e o quê”.
Pelo menos até certo ponto, Machado tinha consciência de ter conseguido vencer o desafio de encontrar essa adequação, quando afirmou sobre o conto: “É gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção que ele é muitas vezes credor”.
O escrivão Coimbra e outros contos se organiza em ordem cronológica reversa, começando pela história que lhe dá título, a última publicada pelo escritor, um ano e oito meses antes de morrer. Trata-se, apropriadamente, de uma história sobre a velhice, cujo protagonista é um idoso obcecado por ganhar na loteria. Machado exercita uma amarga ironia – não no sentido do sarcasmo, mas das reviravoltas da vida.
Essa marca, em intensidades e formas diferentes, se mantém nos primeiros contos do volume – o trágico “Pai contra mãe” e o amoral “Umas férias”. O tom vai mudando com o ousadamente erótico “Missa do galo”, um dos títulos mais conhecidos de Machado, e o humor irresistível de “Um homem célebre”, intercalados pelo moralmente implacável “O caso da vara”. Aos poucos também surgem histórias contadas em primeira pessoa, e, em geral – em consonância com Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro – os narradores são anti-heróis.
“O caso da vara” é um dos três contos desta antologia que abordam o tema da escravidão, ao lado do já citado “Pai contra mãe” e de “Mariana”, este uma das duas histórias que não constaram de nenhuma das reuniões de narrativas curtas publicadas em vida por Machado. O outro é “O escrivão Coimbra”. Embora não seja considerado habitualmente um dos pontos altos da produção do escritor no gênero, “Mariana” enfoca, de forma original, a escravidão sob o ponto de vista das ambiguidades e hipocrisias do cotidiano das famílias da elite em relação a “seus” cativos.
Os elementos fantásticos e de terror – tributários da admiração do escritor carioca que quase nunca saiu do Rio de Janeiro pela obra de Edgar Allan Poe – são a matéria-prima de “A causa secreta”, “O enfermeiro” e “O espelho”. Bem diferente é a pequena fábula moral e filosófica “Um apólogo”, um diálogo entre agulha e linha. Tão moral quanto imoral é “Teoria do medalhão”, até hoje uma súmula intrincada e perfeita das “receitas de sucesso” seguidas pelos brasileiros materialmente bem-sucedidos – o que o aproxima de “Conto de escola”, que Ruffato vê como uma rara evocação da infância de Machado.
Finalmente, as desilusões amorosas – sempre com uma precisa descrição dos sentimentos amorosos, matizados pela dura, inevitável ironia – surgem no conhecido “A cartomante” e em “Noite de almirante”, “Singular ocorrência” e “Confissões de uma viúva moça”, este o mais antigo da antologia, que provocou reações escandalizadas diante do comportamento da protagonista.
Geniais e complexos como muitas vezes são, os contos de Machado propiciam também uma leitura altamente prazerosa e talvez sejam a melhor introdução a seus romances para quem ainda os desconhece, como os leitores jovens.