O psicanalista: na instituição, na clínica, no laço social, na arte | volume 2
Uma formação que se pretenda rigorosamente orientada pelo espírito que marca a transmissão de Lacan exige estratégias que mantenham o psicanalista em uma posição de trabalho, de reflexão sobre o ato que define sua operação como psicanalítica. (...)Para que haja psicanalista, a formação exige uma prática que não encontre apoio nas garantias, mas nas perguntas, pois são elas que mantêm o saber no lugar que lhe cabe: imprescindível como o saber da madeira para o carpinteiro, mas sem encontrar jamais a mestria e a rigidez das regras como destino.
"Quanto à qualificação, há bastante tempo que, para tudo o que é do saber, a reflexão construtiva acerca da episteme colocou em causa o praticante, quando se trata de um saber; tanto que em Platão, cada vez que se trata de assegurar um saber em seu estatuto, prevalece a referência ao artesão, e nada parece contradizer o anúncio de que toda prática humana – digo prática, já que o fato de fazermos prevalecer o ato não quer absolutamente dizer que nós repudiaríamos a referência a ela – todo praticante supõe um certo saber, se queremos avançar no que é da episteme. Todo o saber da madeira, eis que para nós definirá o carpinteiro" (Lacan, 1967-68).
Sem o conforto burocrático do setting, nem as ilusões de um outro colocado no lugar de mestria que o tripé freudiano corre o risco de caucionar, caberá ao praticante colocar o saber a trabalho para enfrentar a angústia inerente às dificuldades de sua prática, fazendo dela a causa que mobiliza seu desejo de saber. Assim, uma formação que se pretenda rigorosamente lacaniana não poderia estar apoiada nem pelas qualidades pessoais do psicanalista, nem naquele com quem o psicanalista estuda, se analisa ou supervisiona seus casos, mas no ato cujos efeitos caracterizam uma análise, e na reflexão constante que esse ato exige, a fim de que a angústia não opere como resistência, exigindo um mestre como resposta a obturar o trabalho.
Este livro, que é o segundo volume de nossa coleção, reúne psicanalistas que se dedicaram a tal reflexão, tomando como ponto de partida sua prática clínica, seu desejo de transmitir algo dessa prática e o desafio de fazê-lo pela escrita.
Michele Roman Faria