O sussurro das estrelas - 1ªED. (2021)
SINOPSE
Quinze anos depois da morte de Naguib Mahfuz, coletânea reúne contos inéditos do escritor egípcio, o único autor árabe agraciado com o Nobel da Literatura. Os manuscritos, guardados em uma pasta, foram descobertos recentemente por um pesquisador no Cairo. A publicação desses contos estava prevista para 1994, ano em que o escritor sofreu um atentado por extremistas islâmicos e perdeu os movimentos da mão direita
Enquanto fazia a pesquisa para escrever um livro sobre uma das obras de Naguib Mahfuz (1911-2006), o jornalista egípcio Muhammad Shoair frequentou a casa da filha do escritor, em busca de documentos. Durante a empreitada, ele conta ter encontrado uma caixa com dezenas de contos manuscritos, com a indicação “para publicar em 1994”. Após um levantamento, descobriu que, embora boa parte dos textos já tivesse saído em uma revista egípcia, havia dezoito inéditos.
Depois da análise, a filha do escritor, Umm Kulthum, decidiu publicar esses dezoito contos em livro, por uma editora libanesa. Foi Umm Kulthum quem escolheu o título da coletânea, emprestado de um dos contos: O sussurro das estrelas – um paralelo com a primeiríssima publicação do pai, a coletânea de contos O sussurro da loucura, de 1938.
É esta a edição lançada agora pela CARAMBAIA, pelo selo Ilimitada, traduzida diretamente do árabe por Pedro Martins Criado. O volume traz também uma introdução do britânico Roger Allen, o principal especialista ocidental em sua obra.
Os contos que compõem O sussurro das estrelas apresentam, na análise de Allen, “uma nítida unidade de localização, propósito e estilo”. Todos se passam em uma típica viela egípcia (ḥara). É inevitável enxergar nessa localidade – tão recorrente em sua obra, sobretudo na famosa Trilogia do Cairo – uma aura da infância do autor em Gamaliya, bairro popular da capital egípcia. A descrição do lugar é propositalmente vaga, o que lhe confere um aspecto genérico e, à sua forma, universal; trata-se de um microcosmo exemplar, constituído mais por funções do que por estruturas materiais. A zawiya, o antigo forte, o abrigo e o café são locais dotados de valor social, e cada um cumpre um propósito na rotina da comunidade, bem como simboliza um valor. Da mesma maneira, há duas personagens recorrentes em quase todos os contos: o xeique da viela e o imã da zawiya, ambos arquétipos das autoridades comunitária e religiosa, respectivamente.
Os enredos em si não têm uma sequência específica, e os temas variam de uma história para outra. Contos como “Perseguição”, “Infortúnio” e “A vida é um jogo” retratam relações mediadas por instituições tradicionais, como o casamento, a maternidade e a paternidade, tomando como referência os indivíduos e o contato complexo entre sua natureza íntima e as expectativas da sociedade. “Tawhida” e “O forno” enfocam as diferenças internas da família e os impactos diversos que ela surte sobre seus membros ao longo do tempo. “O Filho da Viela” e “Shairrun” abordam a intervenção social e os embates entre a atuação individual e as forças da tradição. “A tempestade” e “Nabqa no antigo forte” são permeados pela metafísica, enfatizando a dimensão do “oculto” e sua capacidade de permear o contato das pessoas com a realidade objetiva. “Seu quinhão na vida” e “A profecia de Namla” exploram a ironia e o absurdo mahfuziano, voltando-se à incapacidade do poder institucional de amparar satisfatoriamente a vida humana.
Não se sabe por que esses textos, aparentemente deixados prontos e revisados, não foram publicados. Para Roger Allen, no entanto, não há dúvidas de que esses contos são “um reflexo de suas últimas expressões criativas envolvendo a função simbólica da hara, diferentemente de fases anteriores de sua longa carreira como escritor”.