OMBROS CAÍDOS OLHANDO PARA O INFERNO
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Quando Hannah Arendt desenvolveu o conceito chamado “banalidade do mal” a partir das atrocidades cometidas em nome do III Reich, o genocídio passa a ser analisado não mais pelo viés da moral e da religião, mas sob a perspectiva política. A opressão de um ser humano por outro é legitimada pelas estruturas sociais dominantes e os crimes perpetrados para manutenção desse status quo são naturalizados.
Ao ler Ombros caídos olhando para o inferno, de Constança Guimarães, o pensamento, incômodo porque instigante, de Arendt, pairou sobre a minha leitura.
O machismo e a misoginia, como frutos da estrutura patriarcal, são tentáculos
nos quais a banalidade do mal intumesce. No livro, gerações de mulheres são massacradas por único homem que, embora apareça como sujeito de um mal absoluto, só pode criar raízes devido à naturalização social da ideia de que o homem é superior à mulher. O mal absoluto só floresce porque socialmente ele é aceito, seja pela omissão do pai, seja pela conivência aterrorizada de outras mulheres, ou ainda pela galhofa criminosa dos companheiros
de trabalho diante da violência.
Não por acaso, este sujeito é denominado como “O Delegado”: ali está uma força repressora e violenta tutelada e fundamentada pelo Estado. Num país em que o feminicídio e a violência de gênero atingem índices alarmantes, a ficção nos leva a fazer perguntas desconfortáveis como que tipo de justiça é possível para vidas continuamente violentadas?
Em que território os limites entre justiça e vingança se esgarçam? Nesse livro em que suspense, exercício de poder e tomada de consciência — e de rédeas do próprio destino — se congregam, a atmosfera é densa e as personagens, que estão à flor da pele, parecem saltar das páginas. Um thriller impossível de largar até a última frase.
— Micheliny Verunschk