Pequeno País
O “pequeno país” é o Burundi, na região central da África, onde nasceram Faye e seu personagem (e narrador), Gaby, um garoto que passa dos 10 aos 11 anos durante a narrativa. A história tem fortes traços autobiográficos, e o livro não seria tão comovente sem o suporte da vivência do autor. Gaby é filho de um casal de classe média morador de Bujumbura, antiga capital do Burundi, sendo a mãe negra e nascida em Ruanda (país vizinho ao Burundi) e o pai, branco e francês. Com a pele cor de caramelo, o garoto é, socialmente e até em casa, considerado branco. No início, a mãe viaja a Ruanda para procurar seus parentes depois de notícias de que a etnia tútsi, a que ela pertence, está sendo alvo de violência e assassinato. O romance deixa claro que o conceito e a configuração de etnias nos dois países se baseiam em fundamentos questionáveis que foram convenientes à dominação imperialista europeia de séculos.
Pequeno país é ambientado em 1993, no momento da eclosão de uma guerra civil entre os tútsis e os hútus, conflito que, em Ruanda, culminou no genocídio de quase 1 milhão de pessoas. Mais do que um retrato de vidas dilaceradas pela guerra, trata-se de um romance de formação. O texto poético de Faye evoca uma infância idílica que aos poucos vai se transformando numa sequência de situações desafiadoras. Um exemplo é a tentativa de recuperar uma bicicleta roubada, acontecimento banal que encerra questões sociais e familiares complexas. Além dos perigos e tragédias do ambiente de confronto armado, Gaby se vê diante da corrosão da própria família e do despertar amoroso desencadeado pelo diálogo por carta com uma garota francesa que não conhece pessoalmente. Ao mesmo tempo, o personagem vive, na companhia de um grupo de amigos, as delícias de uma infância passada em contato com uma natureza exuberante – e às vezes perigosa – à beira do imenso lago Tanganica. Eles roubam mangas e fumam cigarros escondidos, descem um rio numa jangada feita de tronco de bananeira e brincam de patrulhar as ruas do bairro em que moram, até que a guerra os leva para atividades mais perigosas. Entre os acontecimentos que os meninos presenciam está a primeira eleição direta para presidente no Burundi e, em poucos meses, o assassinato do vencedor, que foi o estopim da guerra.