POETA POENTE
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Depois da publicação em 2008 de Homem ao Termo, um novo livro de Affonso Ávila não deixaria de suscitar bastante expectativa. Afinal de contas, no substancial e essencial volume que reúne toda sua produção de poesia até então – mais de cinquenta anos de atividade – encontra-se uma das obras mais consistentes e importantes da poesia contemporânea brasileira. Esse conjunto de rara amplitude criativa e crítica apresenta um desenvolvimento que quase se poderia dizer sistemático, num processo constante de novas elaborações – e a seu respeito sempre se podem lembrar, sem qualquer dúvida, as palavras com que Haroldo de Campos qualificou o trabalho de Affonso Ávila: “voo firme de mestria artesanal e altanaria poética”.
No final de Homem ao Termo, havia, porém, um poema – o último do livro – isolado, como que solitário. E chamava a atenção não só por constituir um dos livros da obra completa, livro de um só poema, com o título-resumo de Mínimo (e aí se pode ler uma poética), mas também o poema em si, com o título de “Crisálida”, pelo tom liricamente distinto em relação aos precedentes. Só agora, com a leitura de Poeta Poente, pode-se ler, por sua vez, aquele poema como discreto sinal, de certo modo um alerta, ou mesmo um anúncio.
O que ao final de Homem ao Termo se poderia considerar como um fecho era, na verdade, um impulso para o que viria a se constituir no livro atual, aberto justamente pelo poema “Crisálida”. Numa poesia em que se entrecruzam as dimensões social, política, histórica e experimental, não deixa de ressaltar ainda a dimensão lírica – como exemplificado por esse poema –, muitas vezes em convívio com a memória, mas sem autocondescendências e, não raro, próxima da ironia reflexiva.
O poente que se lê no título deste livro pode ser considerado sobretudo como um ponto de vista, que na verdade se articula como uma elaboração poética, ou ainda, uma estratégia para a organização dos elementos que compõem os dois conjuntos de poemas integrantes deste Poeta Poente.
Nessa organização ressalta, não só nos dísticos epigramáticos da segunda parte, mas também nos textos de natureza mais lírica da primeira parte, uma vigorosa e calculada depuração. Se o ponto de vista adotado tem como um de seus horizontes a memória, tem também o que nessa perspectiva entra de apanhado crítico, numa mirada do poeta atentamente situado em seu tempo.
Júlio Castañon Guimarães