POVO EM LÁGRIMAS, POVO EM ARMAS
Este livro parte da análise de uma única situação, porém exemplar: um homem morre de morte injusta e violenta; mulheres se juntam para chorá-lo; logo mais é um povo em lágrimas que se reúne a elas. Ora, essa situação que se vê por toda parte foi esplendidamente retratada por Serguei Eisenstein em seu célebre filme O encouraçado Potemkin.
Georges Didi-Huberman partindo das imagens e montagem de Einsenstein , descobre e nos revela uma emoção que sabe dizer “nós”, e não só “eu”, um pathos que não é apenas passivo, mas se constitui em práxis: quando as velhas carpideiras de Odessa, em volta do marinheiro morto, passam da lamentação à cólera, “prestam queixa” e exigem justiça, fazem nascer esse povo em armas da revolução que vem .
Como dizia Bertold Brecht, o Potemkin consegue — e continuará a fazê-lo, provavelmente — “rasgar” a consciência do espectador, mesmo que seja um espectador burguês, como se a
magia desse filme quisesse que a “luta de classes se prolongasse em nós mesmos”. Assim, a mãe cigana continuará, sem des-
canso, subindo solenemente a escadaria de Odessa com o filho morto nos braços. Ela mesma, como personagem, logo
irá morrer. Mas seu duplo gesto — de lamento e de revolta — sobreviverá indefinidamente.(...) A história das revoluções está, portanto, muito longe de terminar: porque nunca impediremos ninguém de chorar um morto, nem de prestar queixa, nem de exigir justiça.
Nem de subir uma escadaria contra a corrente. E porque as imagens saberão transmitir a sobrevivência de todos esses gestos.