Psicanálise e biopolítica: de qual corpo se trata?
Com a biopolítica de Foucault, proposta a partir de 1974, surge uma nova racionalidade centrada na questão da vida, da sua conservação, desenvolvimento e gestão. Ao colocar a vida no centro, polemiza-se o subjetivismo jurídico e o historicismo humanístico da filosofia política moderna. Foucault tira da genealogia nietzschiana a percepção de que “nada mais do que a vida [...] é, em suas fibras íntimas, tocada, atravessada, modificada pela história” (Esposito, 2017) . Para ele, “será preciso falar de ‘biopolítica’ para designar o que faz entrar a vida e seus mecanismos no campo dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana”(ibid.) . No campo da psicanálise, em especial da psicanálise lacaniana, temos nos anos setenta o assim dito último e ultimíssimo ensino de Lacan para o qual, tanto quanto para a biopolítica, a vida e, em especial, o corpo têm um lugar central. Dois grandes postulados orientam o ensino de Lacan neste momento: “O Outro é o corpo” e “o sintoma relido como acontecimento de corpo”. Se para Foucault está em jogo um corpo-prazer, para Lacan trata-se de um corpo-gozo. Este último não compactua com a utopia de um corpo não marcado pelo desejo e pela falta, concebendo-o como sujeito a inibições, sintomas e angústias etc.