Quinquilharias Nakano Capa comum – 29 abril 2010
Quinquilharias Nakano: sobretudo não vá chamar esse singular estabelecimento comercial de Tóquio de antiquário! O patrão não deixa de jeito nenhum. Simpático microcosmo de uma megalópole frenética, ali a premeditação e o instinto, o disfarce e a espontaneidade mesclam-se aos mais inusitados bricabraques, frutos das picarescas “retiradas” nas mais variadas moradias. Enfileirados nas prateleiras e tentando chamar a atenção de idiossincráticos clientes, formam uma espécie de contrapé do Japão dos dias atuais.
O senhor Nakano, o proprietário um tanto filósofo e cheio de artimanhas, as quais tenta ensinar com uma sabedoria toda sua, está em constante busca de aventuras amorosas; sua irmã Masayo é uma bem-humorada artista de pouca expressão. Hitome, a narradora que tudo observa com seu olhar tão cool, e Takeo, o faz-tudo taciturno e enigmático e “péssimo nessas coisas de sexo”, como ele mesmo diria, os auxiliam o quanto podem. A ocidentalização da cultura japonesa, a rivalidade com a China (“O problema é o Made in China na parte de trás da peça — informou o senhor Nakano, tranquilo, depois de deixar o cliente reclamar com rispidez”) e outras questões na ordem do dia compõem uma narrativa que faz o tempo correr maliciosamente, contextualizando a excelente e premiada Hiromi Kawakami entre as vozes ácidas e por vezes dissonantes de uma nova literatura japonesa que se faz necessário difundir.
Uma sensualidade audaz desfila pelo romance — “[...] a curta cena de sexo com Takeo de cinco milhões de anos antes parecia estar grudada em metade de meu cérebro. A outra metade estava preenchida por algo morno e nebuloso como o ar quente do aquecedor a querosene” —, sempre impregnada de certa dose de melancolia, e revela amores malogrados de solitários quase convictos, inserindo-o nessa espécie de “escola” que se notabiliza por um texto sereno, meio blasé, de um charmoso ceticismo no que diz respeito às relações humanas na imensidão das metrópoles japonesas, a começar por sua capital.