Ruídos e silêncios da vida cofinada
Em seu terceiro livro, Marcelo Veras avança na reflexão sobre a psicanálise e o mundo contemporâneo iniciada no livro precedente, Selfie, logo existo. O livro atual aborda as transformações no Brasil a partir de 2017 e o modo como elas ecoam nos consultórios dos psicanalistas. Se no livro anterior o que prevalecia era a enorme inflação narcísica causada pelo hábito das Selfies e da hiper exposição de si nas redes sociais, o livro Rúidos e silêncios tem sua redação atravessada em cheio pelos efeitos do confinamento e da necessidade de utilização das mídias virtuais para uma sobrevivência em diversos campos da vida humana, inclusive nas consultas psicanalíticas virtuais.
Quarta CAPA
A pandemia entrou em nossas vidas com o roteiro já escrito por Hollywood. Desde a moda dos disaster movies dos anos 70, não há um ano que a terra não seja destruída por cometas, terremotos, vírus e zumbis. Sem uma narrativa própria do horror, iniciamos a pandemia projetando nossos piores pesadelos no mundo existente no outro lado da porta. Rapidamente muitos hábitos mudaram, as casas passaram a ter suas portas manchadas pelo álcool e água sanitária, houve um boom dos serviços delivery e das vendas de produtos para home office. As redes sociais também mudaram. As selfies desapareceram, passamos ao mundo das lives, novo modo de mostrar que o corpo ainda está vivo. Custou um tempo para compreender que teríamos que inventar nosso próprio fim de mundo, sem trilhas sonoras, sem letreiros no fim nem grandes heróis. Nossos heróis dessa vez não morreram de overdose, morreram à deriva, abandonados por um Brasil que se afastou da democracia. Ser psicanalista é ouvir os ruídos e silêncios desse abandono.
O autor:
Marcelo Veras é Psicanalista da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Psiquiatra da Universidade Federal da Bahia, autor dos livros A loucura entre nós e Selfie, logo existo