TERCEIRA PESSOA. POLÍTICA DA VIDA E FILOSOFIA DO IMPESSOAL
Por Roberto Esposito
Por mais que notória, a etimologia da palavra “pessoa” – vinculada ao latim persona e,portanto, às máscaras de madeira das antigas representações teatrais – continua sugestiva. “Acrescentada” ao rosto, a máscara apresenta e veicula e,simultaneamente, oculta e barra. Conceitualmente, é um ponto oscilante em que facilmente se toma uma coisa por outra. Nesse sentido, ilustra a sempre iminente produção de dicotomias, quando se considera o problema da aparência como“manifestação”, por um lado, e como “dissimulação” ou “miragem”, por outro. Dizer de sua ambiguidade, porém, não basta. Dependendo de como acentuam- se ou omitem-se certos traços, buscando economia ou complexidade, ela pode surtir efeitos contrários aos esperados. E essa constante inversão de sentidos, no agenciamento daquilo que aceita o nome de “máscara”, distingue também a “pessoa”,como noção continuamente reelaborada pelo direito, pela ética, pela política e pela teologia. Em Terceira pessoa: política da vida e filosofia do impessoal, esse condão metamórfico é frequentemente explicitado –insistindo-se, no entanto, que a função assumida pela persona, na definição de papéis ou posições,dificilmente estaria à altura do objetivo declarado de instaurar uma “justiça”isenta e imparcial. A eleição de um legítimo sujeito de direitos e deveres, que a persona deve trazer à luz, inevitavelmente empurra para fora de cena o que é incapaz de cobrir,ficando sempre um resquício sem figura e representatividade. Aquilo que a máscara pessoal – sempre muito curta – não consegue ocultar e, ao mesmo tempo,abrigar, a fim de lhe emprestar uma forma visível, não teria propriamente “existência”,uma vez que não entraria no espaço das relações sociais (ou mesmo em espaço algum).E eis que se vê a falha em um construto que promete tanto, mas tanto fracassa ao permitir até mesmo fazer de tal “não-existência” uma existência “indigna”– passo ominoso que em tempos de memória trágica não se deixou de dar.