Uma teoria ovidiana da literatura: os Tristia como epitáfio de um poeta-leitor
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A boa análise de poesia é tão bem uma poesia!

O convite se faz pleno de confortos: pode-se escolher ir ao passado ou trazê-lo para o presente, o diálogo é possível, como possível é a conciliação presente-passado. Pelo arco do tempo, circulam vozes, escritas, Júlia, que dá sonoridade à voz a Ovídio, Ovídio, que inspira a escrita de Júlia: é quando a poesia transborda de teoria.

A densidade da fundamentação teórica, na qual se constrói o intrincado complexo de análise literária e de leitura poética, flui em linguagem objetiva, serena, segura e que confere transcendência à temporalidade da criatividade humana.

É natural admitir-se que a criação poética anteceda à formulação teórica explícita, e que esta possa ser contemporânea do aprimoramento técnico das habilidades de composição escrita. O extraordinário, no entanto, como o demonstra Júlia, é que, em Ovídio, essas instâncias se encontram de tal maneira arraigadas e amalgamadas que se tornam um momento raro e precioso na história da literatura ocidental. E o mistério desse alinhamento em conjunção se desvela numa proposta de abordagem teórico-metodológica que Júlia denomina “filologia intertextual da recepção”. Eis aí uma indicação de caminho para o conhecimento, também encantamento com a criação poética de Ovídio e, igualmente, com toda a literatura latina antiga.

Também o texto poético, pela sua natureza de código linguístico, se mostra, simultaneamente, objeto de estudo e ferramenta principal de acesso a esse registro de língua. E isso se comprova na habilidade e desenvoltura em que se edifica a “Filologia” no estudo aqui apresentado. Impulsionada pela solidez de conhecimento técnico, este aliado a uma refinada sensibilidade, Júlia mergulha nos recônditos dos Tristia e, daí, faz emergirem os elementos que dão suporte aos pressupostos teóricos: a análise filológica, na dimensão mais ampla e abrangente da palavra; a intertextualidade, que é o entabulamento do diálogo; a recepção, que materializa o diálogo transcendente os limites de conceitos e de recorte temporal.

Vê-se que, nos Tristia, de Ovídio, a arte se reveste de pretensos “sofrimentos” para perpetuar vida, vitalidade que anima, que voa futuro além na pena de asas que Júlia lhe dá.

Antônio Martinez de Rezende
(Faculdade de Letras/UFMG)

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