Variantes da neurose-tipo ou a defesa na atualidade da clínica psicanalítica
A investigação que este livro apresenta teve início a partir do acompanhamento de casos clínicos. Os fenômenos sintomáticos localizados nesses casos, apontam para a existência de uma defesa primária que não resultou em um sintoma propriamente dito, portanto, não estaríamos diante da ação do recalque. Foi possível situar o encontro de Freud com formas de manifestação da subjetividade na neurose que não respondiam a fórmula da neurose até então estabelecida por este.
Como a direção da pesquisa nos levou a explorar o que seriam esses fenômenos sintomáticos, retomamos o conceito de defesa na obra freudiana e sua implicação na constituição das neuroses, o que nos forneceu vários elementos que parecem corroborar a existência de quadros neuróticos, sem um sintoma como resultado da defesa. Verificamos a existência de uma clínica da neurose aquém do recalque presente já na obra freudiana.
Logo, foi possível ainda situar as variantes da neurose tipo como similares, em estreito parentesco em termos de sua constituição, com a problemática do caráter
formulada por Freud e desenvolvida pelos pós-freudianos com as chamadas por eles “neuroses de caráter”. Além da problemática apresentada pela noção de caráter, a formulação freudiana a respeito das neuroses atuais também evidenciou o encontro de Freud na clínica com essas variantes. O recalque não é o mecanismo próprio as mesmas.
O inconsciente em Lacan como lugar do Outro, da outra cena se contrapõe a uma outra leitura, aquela do autismo do inconsciente que fala uma só e mesma coisa a não ser que o analista toque nesse ponto inicial, a defesa! No final de seu ensino, Lacan redefiniu o inconsciente como um falar só e sempre a mesma coisa. O próprio inconsciente é uma defesa contra o real, seja ele estruturado como uma linguagem ou um falar autístico.
O caráter e a defesa sem recalque apontariam para essa manifestação do inconsciente na sua dimensão real ou de letra, que nos conduz para a discussão do
inconsciente transferencial ao inconsciente real. Ou seja, o debate clínico que se iniciou nos anos 1920 com a neurose de caráter encontraria seu ponto de chegada na redefinição do inconsciente como real ou do inconsciente como letra. Nas neuroses atuais, na neurose de caráter, nas variantes da neurose tipo
poderíamos dizer que o sujeito viveria o apogeu do inconsciente como um solilóquio.
Constatamos que a defesa ressurge assim como ponto incontornável na experiência analítica. A indicação lacaniana de perturbar a defesa (1977) como estratégia analítica para que se possa sair do autismo do inconsciente e, de acordo com Miller (2012), desmontar essa defesa construindo assim uma nova montagem pulsional, são indicações que apontam para a importância do conceito de defesa para a prática psicanalítica em sua atualidade. A perturbação e desmontagem da defesa, visando a uma nova montagem são estratégias indispensáveis para o manejo com as variantes da neurose tipo. Nesses casos, o analista funcionaria como “ajuda-contra” (1975-2005), e essa ajuda seria orientada contra o gozo sem limites, tal como vemos hoje tão nitidamente em alguns
sujeitos.
Ao chegarmos ao final desta investigação, podemos verificar que ela teve origem no encontro com questões clínicas, tanto na prática institucional, como na
clínica em consultório. Buscamos ainda evidenciar as implicações teóricas que elas geraram, principalmente na concepção de inconsciente e, em consequência, na direção do tratamento. Essas são algumas observações, desejamos que outras surjam e impulsionem novas pesquisas e perguntas.